Equiparar facções ao terrorismo pode ser o passo decisivo para o Brasil retomar o controle do crime organizado


Por Natalino Borring

04/11/2025  às  14:04:48 | | views 5827


@ Fernando Frazão/Agência Brasil
Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro

Medida divide especialistas, mas cresce entre brasileiros a percepção de que só o enquadramento como terrorismo pode devolver ao país o poder de enfrentar facções que impõem medo e governam territórios


Em bairros dominados por facções, o Estado é apenas uma lembrança. Moradores vivem sob toque de recolher, comerciantes pagam “taxas de proteção” e jovens são cooptados para o tráfico como única alternativa de sobrevivência. O Brasil vive há décadas sob o domínio de verdadeiros cartéis do crime, que impõem o terror e desafiam abertamente o poder público.

 

Esse cenário explica por que 68% dos brasileiros apoiam o projeto de lei que equipara facções criminosas a organizações terroristas, segundo levantamento do Instituto Paraná Pesquisas. Para boa parte da população, o endurecimento legal pode representar a última chance de retomar o controle de áreas dominadas e restaurar a esperança de que o crime pode, um dia, ser vencido.

 

A proposta, contida no PL 1.283/2025, será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. O texto ganhou força após a megaoperação policial no Rio de Janeiro e prevê que grupos como o PCC e o Comando Vermelho sejam enquadrados pela Lei Antiterrorismo, com penas mais severas e maior integração entre forças federais e estaduais.

 

O jurista Walter Maierovitch, especialista em direito penal, reconhece o desafio. “O Brasil enfrenta o que podemos chamar de terrorismo social — facções que aterrorizam comunidades inteiras, impondo medo e controle. Mas, do ponto de vista jurídico, crime organizado e terrorismo são fenômenos distintos”, pondera.

 

Mesmo assim, cresce entre analistas de segurança a ideia de que a diferenciação técnica não pode se tornar obstáculo à defesa da população. O ex-diretor da Secretaria Nacional de Segurança Pública Alberto Kopittke argumenta que a nova tipificação permitiria “uma resposta de Estado proporcional à ameaça que o crime organizado representa”.

 

“Quando o país reconhece que enfrenta um inimigo interno que desafia sua soberania e destrói sua base social, o enquadramento como terrorismo não é uma submissão ao discurso estrangeiro — é um ato de defesa nacional”, afirma Kopittke.

 

Por outro lado, especialistas como Rashmi Singh, doutora em relações internacionais pela PUC Minas, alertam para o risco de importar o modelo norte-americano de contraterrorismo, que historicamente serviu de justificativa para intervenções e ações militares ilegais em outros países. “O problema não é combater o crime com firmeza. O problema é fazer isso sob a lógica de Washington”, afirma.

 

Ela lembra que, desde o governo Donald Trump, os Estados Unidos passaram a classificar cartéis latino-americanos como “organizações terroristas globais”, o que abre brechas para operações militares fora do território americano. “Se o Brasil adotar a mesma classificação sem salvaguardas, poderá abrir caminho para ingerência externa em nome da segurança”, diz.

 

O ministro da Justiça Ricardo Lewandowski defende um caminho de equilíbrio: endurecer o combate ao crime sem comprometer a soberania. “O terrorismo envolve motivação ideológica e política. Já as facções brasileiras buscam lucro. Devemos tratá-las com rigor, mas dentro do marco legal brasileiro”, afirmou após reunião com o governador Cláudio Castro, defensor da tese do “narcoterrorismo”.

 

Para muitos brasileiros, no entanto, a distinção teórica já não é suficiente. O crime organizado transformou-se em um poder paralelo, que decide quem vive, quem morre e até quem pode vender no bairro. “Quando o Estado perde o monopólio da força, o crime se torna, na prática, um agente de terror”, resume o sociólogo Rogério de Souza, pesquisador da UFRJ.

 

O desafio, portanto, é fazer do enquadramento como terrorismo um instrumento de soberania, e não de dependência. Se bem estruturada, a nova legislação pode representar um marco histórico — o momento em que o Brasil finalmente decide que o medo não será mais política pública, e que enfrentar o crime é, antes de tudo, um ato de coragem nacional.



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