Com juros altos e exportações afetadas, setor produtivo enfrenta limites para sustentar recuperação
A produção industrial brasileira caiu 0,4% em setembro em relação a agosto, segundo dados divulgados nesta terça-feira (4) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado interrompe a recuperação observada no mês anterior, quando o setor havia avançado 0,7%.
Na comparação com setembro de 2024, a produção cresceu 2%, e no acumulado de 12 meses registra alta de 1,5%. Apesar disso, o desempenho segue distante de um crescimento consistente: a indústria opera 14,8% abaixo do pico histórico, registrado em maio de 2011, e apenas 2,3% acima do nível pré-pandemia.
O recuo de setembro reflete uma tendência de ritmo irregular e vulnerável, marcada por fatores internos — como o juro alto — e externos, como o aumento de tarifas sobre exportações brasileiras pelos Estados Unidos.
Setores em retração
Entre as 25 atividades pesquisadas, 12 tiveram queda na produção. Os maiores recuos ocorreram em produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-9,7%), indústrias extrativas (-1,6%) e veículos automotores, reboques e carrocerias (-3,5%).
Entre os segmentos em alta, destacaram-se produtos alimentícios (1,9%), produtos do fumo (19,5%) e produtos de madeira (5,5%). A leve dispersão de resultados reforça que a retomada é pontual e concentrada, sem ganho de fôlego em cadeias produtivas mais amplas.
Juros altos travam investimentos
De acordo com o gerente da pesquisa, André Macedo, o desempenho fraco está diretamente relacionado ao custo do crédito. “Os juros elevados adiam decisões de investimento das empresas e de consumo das famílias”, afirmou.
Com a taxa Selic em 15% ao ano, o Brasil mantém o maior juro real entre as principais economias do mundo, patamar não visto desde 2006. O argumento do Banco Central é de que o nível elevado é necessário para conter a inflação, que acumula 5,17% em 12 meses, acima do teto da meta (4,5%).
Entretanto, o efeito colateral é visível: encarecimento do crédito, aumento da inadimplência e desaquecimento da economia real. O setor industrial, dependente de financiamento e demanda interna, é um dos mais sensíveis à política monetária restritiva.
Nos últimos seis meses, o IBGE registrou quatro quedas na produção industrial. O dado reforça a percepção de que a política de juros altos tem freado a atividade econômica sem garantir estabilidade de preços duradoura.
Impacto do “tarifaço” americano
Outro fator citado por empresas é o chamado “tarifaço americano”, imposto em agosto pelos Estados Unidos sobre parte dos produtos brasileiros. A medida, segundo o governo norte-americano, visa proteger a indústria local, mas também teve viés político, após declarações do ex-presidente Donald Trump de que se tratava de uma retaliação ao governo brasileiro.
Embora o IBGE não tenha mensurado o impacto direto das tarifas, analistas avaliam que o episódio agrava as dificuldades do comércio exterior brasileiro, já afetado pela desaceleração global e pela falta de acordos comerciais robustos.
Perspectiva incerta
Apesar de negociações recentes entre Brasília e Washington para restabelecer o diálogo comercial, o cenário de curto prazo é pouco favorável à indústria nacional. Juros altos, incertezas externas e infraestrutura defasada continuam a limitar a competitividade do setor.
Especialistas apontam que, sem um plano industrial de longo prazo e uma política de crédito mais equilibrada, o país corre o risco de permanecer preso a ciclos curtos de crescimento seguidos por retrações, repetindo um padrão que se mantém há mais de uma década.