Trabalho infantil cai, mas estagnação e desigualdade continuam


Por Redação

19/09/2025  às  09:51:03 | | views 2857


@© Ministério do Trabalho/Divulgação

Apesar da queda em oito anos, mais de 1,6 milhão de crianças e adolescentes ainda trabalham; avanço é limitado e revela persistência de desigualdades regionais e raciais


Mesmo com uma queda de 21,4% no número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil desde 2016, o Brasil ainda contabiliza 1,65 milhão de jovens de 5 a 17 anos inseridos em atividades classificadas como trabalho infantil em 2024. Os dados, divulgados nesta sexta-feira (19) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), evidenciam uma realidade persistente e desigual, onde avanços são ofuscados por retrocessos recentes e pela permanência de desigualdades históricas.

 

A redução, embora significativa ao longo da série histórica iniciada em 2016, está longe de indicar a erradicação do problema. Entre 2023 e 2024, houve, inclusive, um aumento de 2,1% no número de crianças e adolescentes nessa situação, o que levanta alertas sobre uma possível estagnação nas políticas de proteção à infância.

 

“É cedo para dizer que houve reversão da tendência”, afirmou Gustavo Geaquinto Fontes, analista do IBGE. O comentário, no entanto, escancara a fragilidade dos resultados: basta uma leve oscilação para comprometer anos de progresso.

 

Problema muda de forma, mas não desaparece

A legislação brasileira proíbe qualquer forma de trabalho até os 13 anos e impõe restrições rigorosas entre 14 e 17 anos, especialmente quando se trata de atividades insalubres, perigosas ou sem vínculo formal. Apesar disso, o trabalho infantil ainda é banalizado e normalizado em muitas regiões do país, frequentemente visto como "ajuda à família" ou "formação de caráter".

 

Em 2024, o levantamento mostra que 55,5% das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil estão na faixa etária de 16 a 17 anos, uma fase em que o ingresso no mercado deveria ocorrer de forma protegida, via programas de aprendizagem e educação complementar. Ao contrário, muitos estão em atividades informais, precárias e mal remuneradas.

 

A média salarial identificada pelo IBGE é de R$ 845 mensais. Entre os adolescentes que trabalham 40 horas ou mais por semana — uma jornada equivalente à de um adulto — o valor sobe para R$ 1.259, ainda assim inferior ao piso de várias categorias profissionais.

 

Trabalho infantil tem cor, gênero e endereço

O recorte racial e regional dos dados mostra que o trabalho infantil no Brasil é um problema estruturalmente desigual. Enquanto pretos e pardos representam 59,7% da população entre 5 e 17 anos, são 66,6% dos que estão em situação de trabalho infantil — proporção que evidencia o efeito do racismo estrutural na reprodução das vulnerabilidades.

 

Do ponto de vista regional, o Sudeste é a única área com taxas abaixo da média nacional (3,3%). No Norte, o índice chega a alarmantes 6,2%. Nordeste (5%), Centro-Oeste (4,9%) e Sul (4,4%) também estão acima da média, com forte concentração de casos nas áreas rurais e periferias urbanas.

 

Homens são maioria entre os trabalhadores infantis (66%), enquanto nas tarefas domésticas — uma face invisibilizada da exploração do trabalho — as mulheres predominam, com 58,2%. O IBGE identificou que mais de 20 milhões de crianças e adolescentes (54,1%) realizam atividades domésticas regularmente, evidenciando outra camada de trabalho não remunerado, muitas vezes invisibilizada nas estatísticas oficiais.

 

Problema além das estatísticas

A trajetória recente mostra que a pandemia de Covid-19 rompeu a curva de queda registrada entre 2016 e 2019, e os efeitos da crise sanitária ainda reverberam. A interrupção das pesquisas em 2020 e 2021 por conta do isolamento social também contribuiu para a perda de continuidade dos dados.

 

Mas o problema vai além das estatísticas: falta política pública estruturada, fiscalização efetiva e investimento real em educação, assistência social e inclusão digital. A queda no número absoluto de trabalhadores infantis, embora importante, não é suficiente para mascarar os déficits de oportunidades e a falta de acesso a direitos básicos, como escola em tempo integral e programas de renda familiar.

 

“O trabalho infantil é resultado direto da pobreza, da negligência do Estado e da ausência de proteção social”, alertam especialistas em infância e juventude.

 

Dados não são claros

A metodologia do IBGE, baseada em critérios da Organização Internacional do Trabalho (OIT), exclui diversas formas de trabalho não formalizado e não remunerado, o que significa que os números reais podem ser ainda maiores. Atividades como trabalho em comércios familiares, no campo ou em funções domésticas, por vezes, não são identificadas como exploração, o que dificulta o enfrentamento do problema.

 

A redução do trabalho infantil no Brasil ao longo dos últimos anos é um dado positivo, mas insuficiente diante da magnitude da violação de direitos envolvidos. O pequeno crescimento registrado entre 2023 e 2024 acende um sinal de alerta: sem políticas consistentes e investimentos sociais duradouros, o país corre o risco de retroceder ainda mais.

 

Mais do que comemorar percentuais, é hora de o Estado reconhecer as falhas na proteção da infância e agir com firmeza para garantir o básico: infância com escola, lazer, segurança e sem trabalho. A erradicação do trabalho infantil não pode ser meta adiada — é urgência social e constitucional.



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