Brasil quer ONU à frente de nova missão de paz no Haiti


Por Redação

13/06/2025  às  16:14:28 | | views 898


© Ricardo Stuckert/PR

Discurso do presidente brasileiro reacende debate sobre eficácia de intervenções externas e papel do Brasil na região


Em meio à pior crise humanitária e de segurança no Haiti desde o terremoto de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu nesta sexta-feira (13) que a Organização das Nações Unidas (ONU) assuma uma nova missão de paz no país caribenho — ou, ao menos, passe a financiar a força multinacional liderada pelo Quênia, já em andamento. A proposta foi apresentada durante a abertura da Cúpula Brasil-Caribe, em Brasília, e levanta questões sobre o alcance prático das promessas de solidariedade sul-sul e o histórico de intervenções internacionais mal-sucedidas no país.

 

“O Haiti não pode ser punido eternamente por ter sido o primeiro país das Américas a se tornar independente”, afirmou Lula, num discurso carregado de simbolismo político, mas com soluções concretas ainda vagas. A fala também evocou a experiência do Brasil na liderança da Minustah (2004–2017), missão da ONU marcada por críticas a abusos de poder, resultados frágeis e até escândalos envolvendo tropas estrangeiras.

 

A atual missão de segurança no Haiti, aprovada pela ONU em 2023 mas operada à parte da entidade, enfrenta sérias limitações. Financiada exclusivamente por doações voluntárias, ainda carece de recursos, estrutura e consenso político para enfrentar grupos armados que controlam boa parte da capital Porto Príncipe. Lula sugere que a ONU assuma um papel mais direto, mas evita abordar de forma crítica os dilemas éticos e operacionais herdados da própria Minustah.

 

O presidente também anunciou que a Polícia Federal brasileira treinará 400 agentes haitianos nos próximos meses. A promessa ocorre em um contexto de fragilidade institucional no Haiti, sem garantia de que o treinamento técnico resolverá um impasse político que exige soluções mais amplas e sustentáveis. Lula afirmou que o Brasil está disposto a colaborar com a futura eleição presidencial haitiana, cuja viabilidade, no entanto, depende da estabilidade que a própria comunidade internacional ainda não conseguiu garantir.

 

Protagonismo sul-americano ou ambição diplomática?

A cúpula com países caribenhos, que reúne 13 nações da Caricom, além de Cuba e República Dominicana, foi usada por Lula para reiterar a aposta na liderança regional do Brasil — uma ambição antiga, mas com resultados ainda limitados. Em seu discurso, o presidente anunciou a criação de um fórum ministerial Brasil-Caribe e uma série de projetos voltados para segurança alimentar, transição energética e infraestrutura, muitos deles dependentes de financiamento multilateral e promessas futuras de cooperação técnica.

 

Ao prometer uma missão do Ministério de Minas e Energia ao Caribe para explorar parcerias em energia eólica e solar, Lula destacou o potencial de integração entre países com histórias coloniais semelhantes. No entanto, as iniciativas esbarram em obstáculos logísticos antigos, como a ausência de rotas comerciais diretas entre Brasil e Caribe — um problema estrutural que persiste há décadas e que ainda aguarda soluções concretas.

 

A oferta de US$ 5 milhões ao Banco de Desenvolvimento do Caribe e o anúncio de US$ 3 bilhões do BID para projetos regionais, embora bem-vindos, representam valores modestos frente às reais necessidades da região. As promessas, como outras já feitas por governos anteriores, só terão peso se saírem do campo retórico e forem acompanhadas de continuidade política e burocrática.

 

Retórica sobre clima, embargo a Cuba e autonomia

Lula também aproveitou o encontro para criticar o embargo econômico dos Estados Unidos contra Cuba e a classificação do país como apoiador do terrorismo, além de exigir mais ambição das nações ricas nas metas climáticas a serem apresentadas na COP30, em Belém. “O mundo está carente de vozes que falem em nome do que é certo, justo e sensato”, declarou.

 

O discurso, porém, contrasta com a realidade das dificuldades enfrentadas por países em desenvolvimento — como os do Caribe — para cumprir metas ambientais sem comprometer suas economias frágeis. O próprio Brasil, embora ativo no debate climático, enfrenta pressões internas por mais clareza em suas políticas de transição energética e conservação ambiental.

 

Intenções e resultados

A cúpula Brasil-Caribe expôs tanto a ambição diplomática do governo Lula quanto os limites práticos da atuação brasileira na região. A defesa de uma nova missão da ONU no Haiti reacende uma discussão incômoda: até que ponto intervenções externas ajudam ou perpetuam a instabilidade em países historicamente negligenciados?

 

O Brasil tenta se posicionar como ponte entre o Sul Global e os grandes centros de poder internacional. Mas, para além dos discursos, resta o desafio de transformar intenções em resultados concretos — e de não repetir os erros do passado em nome de uma liderança regional ainda em construção.



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