Fazenda recua em decreto impopular e propõe pacote que mira arrecadação com tributos sobre crédito, títulos isentos e apostas
Após forte reação negativa do Congresso Nacional e do mercado, o governo federal prepara uma medida provisória (MP) para substituir o polêmico decreto que alterava o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A nova proposta, anunciada no domingo (8) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), promete uma “recalibragem” que, na prática, mantém o objetivo central: aumentar a arrecadação federal.
A MP incluirá ainda mudanças no setor de apostas esportivas — com aumento da tributação sobre o faturamento bruto das empresas — e o fim da isenção fiscal para produtos do mercado financeiro como LCI e LCA. A Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) das instituições financeiras também sofrerá alta, indo para até 20%.
Ajuste sob pressão
O governo justifica as medidas como necessárias para corrigir “distorções” no sistema tributário e enfrentar o crescimento de despesas obrigatórias contratadas por gestões anteriores. Mas a proposta original do decreto do IOF, que alterava a tributação de forma abrupta e sem diálogo, encontrou forte resistência tanto na Câmara quanto no Senado.
“Foi uma proposta mal recebida, que causou um ambiente político muito adverso”, reconheceu o presidente da Câmara, Hugo Motta. Segundo ele, a alternativa apresentada agora “diminui significativamente os efeitos negativos” e oferece “compensações menos danosas”.
Na prática, o Executivo recua após a sinalização clara do Congresso de que não haveria sustentação política para manter o decreto nos moldes iniciais. A decisão de substituir o decreto por uma MP foi uma saída negociada para evitar desgaste maior.
Arrecadação em foco, planejamento em xeque
O novo pacote fiscal de Haddad tributa setores antes poupados. A taxação de 5% sobre LCI e LCA, por exemplo, quebra uma isenção que há anos estimula o crédito imobiliário e agrícola. Embora o ministro diga que esses títulos “manterão vantagem” frente a outros investimentos, o recado ao mercado é claro: o governo está disposto a reverter benefícios em nome do caixa.
Já no caso das apostas, a alíquota sobre o Gross Gaming Revenue (GGR) — diferença entre o que as casas de apostas arrecadam e o que pagam em prêmios — subirá de 12% para 18%. A medida atende a uma demanda antiga da equipe econômica, que vê no setor uma oportunidade rápida de aumento de receita.
Ainda assim, especialistas apontam que essas mudanças transmitem um sinal preocupante de improviso fiscal. Ao invés de apresentar um plano consistente de corte de gastos e reforma tributária ampla, o governo recorre a ajustes pontuais, empilhando medidas com efeito limitado e risco de judicialização.
Gasto fora de controle?
Haddad também usou o encontro para expor ao Congresso o crescimento das despesas obrigatórias, que segundo ele foram contratadas por governos anteriores sem a devida previsão de financiamento. “Às vezes vejo no jornal que está havendo uma gastança, mas a pergunta é: quando o gasto foi contratado? Havia fonte?”, questionou o ministro.
O discurso, no entanto, esbarra na realidade do atual governo, que vem ampliando despesas com folha, subsídios e programas sociais. A promessa de reduzir em 10% os chamados “gastos tributários” — que somam cerca de R$ 800 bilhões, segundo o próprio governo — ainda não foi acompanhada de um plano detalhado.
Reação do mercado e falta de previsibilidade
A instabilidade causada pelas mudanças frequentes e pela forma como foram anunciadas preocupa o setor financeiro. A falta de previsibilidade tributária, especialmente em temas sensíveis como IOF e isenções, tende a afastar investidores e pressionar ainda mais os juros futuros e o câmbio.
Para analistas, o governo erra ao concentrar esforços em aumentar receitas sem apresentar contrapartidas claras na contenção de despesas, o que compromete a credibilidade do arcabouço fiscal e coloca em xeque a sustentabilidade das contas públicas.