Colunista

Gaudêncio Torquato

A Social-Democracia Rachada


30/11/2021 | 00:00:00 | Visto por: 9313 leitores

     O partido que desfralda a bandeira da socialdemocracia e adota um tucano como símbolo, o PSDB, está em frangalhos. Quando foi criado em 1988 era a esperança de o país pela trilha de uma nova política, amparada no conceito do Estado comprometido com o bem estar social e aberto aos investimentos privados. As prévias a que o partido se submete para escolha de seu candidato à presidência, em 2022, que deveria ser um exemplo de democracia partidária, tornaram-se uma dor de cabeça por falha grave no sistema contratado para operar o voto eletrônico. O PSDB encontra-se em um beco sem saída: seja qual for o vencedor, o partido estará rachado.

 

     Não adianta alguns tentarem apagar o fogo. As alas em querela – comandadas pelos governadores de São Paulo e do Rio Grande do Sul, João Doria e Eduardo Leite - tocam fogo na floresta tucana e será difícil chegar-se a um ponto de união. Para complicar, um quadro histórico da sigla, Geraldo Alckmin, está prestes a migrar para outra entidade.  O gesto parece um troco com juros e correção monetária pela maneira com que foi tratado. Apesar de acenos públicos de integração de propósitos, explicitados por seus comandantes, os grupos evidenciam forte cisão. O partido da social-democracia parece perdido.

 

     O fato é que a crise vem de longe. É o tropeço vivido pelos sociais-democratas, que atravessam um escuro corredor, seja por falta de lideranças, seja por obsolescência de discurso, desmotivação do eleitorado e desunião de núcleos. 

 

     Imaginava-se que outras regiões pudessem ser contrapeso à força do partido em São Paulo, onde os tucanos têm alcançado boas vitórias ao longo do tempo. O PSDB, porém, não conseguiu equalizar as densidades eleitorais e a “paulistização” tucana virou marca. Ademais, pesa sobre a sigla a insinuação de ter muito cacique e pouco índio. E que se distanciou das bases.

 

     Fortes classes médias, as mais poderosas entidades e os contingentes laborais que vivem em São Paulo se ressentem da falta de um discurso consentâneo com suas expectativas. Que fonte categorizada pode exprimir algo e merecer respeito? Fernando Henrique, sem dúvida. Mas bate bumbo sozinho. Afinal, qual é a mensagem do PSDB? Ou está ele engolfado pela onda que afoga os partidos socialdemocratas em todo o mundo?

 

     Ao ser concebida, a socialdemocracia brandia como escopo o estabelecimento do Estado de bem-estar social (baseado na universalização dos direitos sociais e laborais e financiado com políticas fiscais progressistas) e o aumento da capacidade aquisitiva da população. Essa meta tinha como alavanca o aumento dos rendimentos do trabalho e a intervenção do Estado nas frentes de gastos e regulação de atividades-chave para a expansão econômica.

 

     A partir dos anos 70, os partidos socialdemocratas passaram a incorporar princípios neoliberais e estes impregnaram a ideologia dominante da União Europeia. Portanto, a doutrina socialdemocrata ganhou novos contornos na esteira da globalização. As siglas mudaram, transformando suas bases eleitorais (categorias trabalhadoras) em classes médias, mais conservadoras e com maior acesso ao capital financeiro. Os ex-primeiros ministros Tony Blair, na Inglaterra, Gerhard Schröeder e Angela Merkel, na Alemanha, além de Zapatero, na Espanha, e outros deram efetiva contribuição para moldar a socialdemocracia com a solda neoliberal.

 

     O Brasil ingressou na rota. O ideário dos partidos de esquerda arquivou os velhos jargões da sociedade de exploração capitalista, como Estado burguês, classe dominante, submissão a interesses do capital financeiro. Hoje, as teias sociais estão sendo bem costuradas, programas de distribuição de renda passaram a frequentar a mesa de todos os núcleos, a ideia de extinguir a miséria continua acesa, e a receita do “velho socialismo” aparece de forma esporádica e sujeita a apupos. Se o PSDB se ressente da ausência de discurso, é porque seu tradicional menu tem sido repartido por outros comensais.

 

     A crise que consome o partido pega, de um modo geral, os entes políticos nacionais. Os grupamentos parlamentares padecem a síndrome da “atração fatal”, impulsionada pelas “tetas do Estado”. Que secam a olhos vistos com a economia em baixa, camadas sociais perdidas no meio do desemprego, orçamentos estourados e polarização política. Que tristeza!



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